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  • Foto do escritorAriane Angioletti

Fogão à lenha e bolinhos pra viagem


Fogão à lenha. Fogão à lenha e seu cheiro, típico e peculiar, me traz memórias de um tempo há muito esquecido. Quando sinto aquele cheiro inconfundível, rapidamente me assoma a lembrança da casa de minha avó paterna.


Ao chegar, já ao lado da porta, lá estava ele, altivo, dominando toda a cozinha, me parecendo imenso. É interessante como quando se é criança tudo fica tão grande, né? As casas da rua em que morava quando criança, eram gigantescas e, tempos depois, já adulta, passando pela mesma rua fiquei imaginando como podia achar isso... Mas, falávamos do fogão à lenha da minha avó.


Ao subir os poucos degraus que separavam o quintal da porta da casa, meus olhos iam direto para o fogão. Era de cimento queimado, vermelho, muito encerado. Entre os beijos e abraços da minha vó, meus olhos insistiam em se desviar para admirá-lo... Não sei o que exatamente me chamava a atenção nele, mas imagino que seja por que não tinha um daqueles em minha casa ou por que ele pertencia à minha avó, e junto dele ela passava boa parte do dia, alimentando-o com pedaços de lenha..talvez fosse por que eu gostava dela e assim gostava de tudo que a cercava...talvez ainda fosse pelo calor que ele exalava, junto com os abraços e beijos que ela me dava. Em minhas lembranças tudo se mistura e sinto que associo o calor do fogão ao calor do afeto que recebia...


Como morávamos em outra cidade, e ela nos via pouco, além de ser naturalmente amorosa, quando chegávamos sempre era a mesma coisa: uma avalanche de carinho, de beijos e abraços. Lembro de sempre me perguntar intimamente o por quê de ela gostar tanto de mim, se eu nem tinha feito nada para receber isso!


Hoje, ao receber minha sobrinha em casa, entendo perfeitamente a razão desse amor... Quando estava lá, eu costumava comer em seu colo. E na boca! Não gostava muito da comida, mas do carinho que recebia, e ela se tornava, então, até gostosa....Ao ir embora, quase sempre apenas com meu pai, filho dela, ela ficava muito ansiosa pra mandar um pouquinho de amor nas sacolinhas que nos dava, com tudo que pudesse encontrar. Pra minha mãe, mandava ovos caseiros. Pra mim, deliciosos bolinhos de polvilho. Ela sempre justificava que eram pra comer na viagem, e eu, inconformada com a regra, porém pela obediência que lhe devia, ficava ansiosa pra chegarmos à estação rodoviária logo. Achava que uma vez que os bolinhos já eram meus, eu decidiria quando e onde comer, oras! Eu deveria ter por volta de 5 ou 6 anos.


Certa vez, quando fomos à sua casa, minha vó me levou, solenemente, ao seu próprio quarto e me apontou na parede qual dos dois retratos de santos que lá estavam, eu desejaria. Na verdade, na hora eu não me interessei por nenhum deles, mas compreendi rapidamente que ela queria me dar alguma coisa e, como nada tivesse, lhe pareceu que algo que ela valorizasse tanto, me interessaria...Olhei pra ela num misto de compreensão, compaixão e ternura. Pra que ela ficasse feliz e satisfeita, escolhi uma figura de anjo da guarda. Esse anjo, à beira de um precipício, vela por um casal de crianças que, usando roupas antigas, jogam bola. Como imaginei, ela realmente ficou muito feliz com minha escolha.


Lembro de minha vó, sempre atarefada, andando de um lado para o outro em sua casa. De meu vô, guardo o cheiro do cigarro de palha, o chapéu de ráfia branca e a barba por fazer, que sempre me espetava. Mas são lembranças tão carinhosas, tão gratas, que me enterneço ao recordar. Ele falava arrastado e tinha tanto senso de humor...era tão paciente! Lembro quando o casal de velhinhos nos visitou, certa vez. Eu, na ingenuidade dos 4 ou 5 anos, queria servir-lhes a gelatina de morango da sobremesa, em minhas loucinhas e minha mãe achava que não era adequado. Discutíamos e, minha vó, porém, igualmente compreensiva com minhas intenções, insistiu que queria comer a gelatina na loucinha.


A mesma compreensão, compaixão e ternura deve ter ela sentido por mim ao olhar-me satisfeita em vê-la usar minha louça. Nossa relação era feita de signos, de símbolos, de palavras que não foram ditas, mas de olhares significativos e de um profundo respeito de uma pela outra, apesar dos muitos anos que nos separavam.


Por volta dos meus 7 anos ela partiu, de repente. Sofria de angina e seu falecimento trouxe muita tristeza para todos, mas principalmente para meu pai, que sofreu muito. Minha mãe não deixou que eu a visse morta, pois queria que eu guardasse dela outras lembranças. Agradeço o gesto, pois realmente ficaram lembranças maravilhosas e curtas da infância longínqua, mas tão presente... E compreendi, ao mesmo tempo, que esse laço, o do amor, jamais morre.


Vó Geralda Antunes

Neta Andréia Bem Antunes


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